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domingo, 22 de setembro de 2013

Descrição Física de Jesus por Públiu Lentulus

Caírbar Schutel

Eliseu F. da Mota Júnior
No dia 22 de setembro de 1868, filho do casal Anthero de Souza Schutel e Rita Tavares Schutel, nasceu Caírbar de Souza Schutel, no Rio de Janeiro, então sede da Corte Imperial do Brasil, onde praticou em diversas farmácias e aos 17 anos de idade foi para o Estado de São Paulo, trabalhando como farmacêutico em Piracicaba, Araraquara e depois em Matão, cidade em que viveu durante 42 anos.
Possuidor de brilhante cultura, de grande prestígio social e sobretudo de notória autoridade moral, acabou sendo escolhido para o honroso e histórico cargo de primeiro Prefeito da cidade de Matão, cargo que ocupou por duas vezes, a primeira de 28 de março a 07 de outubro de 1899, voltando a exercê-lo de 18 de agosto a 15 de outubro de 1900, conforme consta das atas e dos registros históricos da municipalidade matonense.
Nascido em família católica, batizado aos 7 anos de idade, Caírbar Schutel cumpria suas obrigações perante a Igreja de Roma. Entretanto, já adulto e vivendo em Matão, passou a receber, em sonhos, a visita constante de seus falecidos pais, porque ele ficara órfão de ambos com menos de 10 anos de idade. Insatisfeito com as explicações de um padre para o fenômeno, Schutel procurou Quintiliano José Alves e Calixto Prado, que realizavam reuniões de práticas espíritas domésticas, logrando então entender a realidade do mundo extrafísico.
Convertido ao Espiritismo, cuidou logo de legalizar o Grupo (hoje Centro) Espírita Amantes da Pobreza, cuja ata de instalação foi lavrada no dia 15 de julho de 1905. Resolvido a difundir a Doutrina Espírita pelos quatro cantos do mundo - e mesmo vivendo em uma pequena e modesta cidade no interior do Brasil -, o "Bandeirante do Espiritismo", como ficou conhecido Caírbar Schutel, fundou o jornal "O Clarim" no dia 15 de agosto de 1905, e a RIE - Revista Internacional de Espiritismo no dia 15 de fevereiro de 1925, ambos circulando até hoje.
Além disso, o incansável arauto da Boa Nova, com todas as dificuldades da época e da região, viajava semanalmente até a cidade de Araraquara para proferir, aos domingos, as suas famosas 15 "Conferências Radiofônicas", pela Rádio Cultura de Araraquara (PRD - 4), no período de 19 de agosto de 1936 a 02 de maio de 1937.
Escritor fértil, entre 1911 e 1937 escreveu os livros O batismo, Cartas a esmo, Conferências radiofônicas, Histeria e fenômenos psíquicos, O diabo e a igreja, Espiritismo e protestantismo, O espírito do cristianismo, Os fatos espíritas e as forças X..., Gênese da alma, Interpretação sintética do apocalipse, Médiuns e mediunidades, Espiritismo e materialismo, Parábolas e ensinos de Jesus, Preces espíritas, Vida e atos dos apóstolos, A questão religiosa, Liberdade e progresso, Pureza doutrinária, A vida no outro mundo e Espiritismo para crianças.
Para publicá-los, Schutel não mediu esforços: adquiriu máquinas, papel, tinta, cola e outros insumos para impressão, procurando escolher sempre material de primeira categoria. Desse esforço surgiu a Casa Editora O Clarim, que hoje emprega inúmeros funcionários em Matão, tendo publicado mais de cem títulos de obras de renomados autores, encarnados e desencarnados.
Consciente de sua responsabilidade como cidadão, cuidou de regularizar a sua união com Dª. Maria Elvira da Silva e Lima, com ela se casando no dia 31 de agosto de 1905; o casal Schutel não teve filhos carnais, porém sua dedicação aos semelhantes ficou indelevelmente marcada na história de Matão, uma vez que ambos jamais deixaram de atender aqueles que os procuravam.
Depois de curta enfermidade, Caírbar Schutel faleceu em Matão, no dia 30 de janeiro de 1938. Durante e após suas exéquias, inúmeras pessoas de Matão, das cercanias, do Estado de São Paulo e de diversas regiões do Brasil prestaram-lhe comovente tributo de gratidão e reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, tendo certamente cumprido a sua missão.
Aliás, o prestigioso jornal 'A Comarca', de Matão, em sua edição de 6 de fevereiro de 1938, consignou o seguinte: "É absolutamente impossível em Matão falar-se quer da nossa história passada, quer da nossa história hodierna sem mencionar Caírbar Schutel. Caírbar Schutel foi, para Matão, um dínamo propulsor do seu progresso, um arauto dedicado e eloqüente das suas aspirações de cidade nascente. Mais do que isso foi o homem que, como farmacêutico, acorria com o seu saber e com a sua caridade à cabeceira dos doentes, naqueles tempos em que o médico era ainda nos sertões que beiravam o 'Rumo', uma autêntica 'avis rara'.
"Militando na política por algum tempo, a sua atuação pode ser traduzida no curto parágrafo que abaixo transcrevemos, fragmento de um discurso pronunciado em 1923, na Câmara Estadual, pelo Deputado Dr. Hilário Freire, quando aquele ilustre parlamentar apresentou o projeto da criação da Comarca de Matão. Ei-lo: 'Em 1898, o operoso, humanitário e patriótico cidadão Sr. Caírbar de Souza Schutel, empregando todo o largo prestígio político de que gozava, e comprando com os seus próprios recursos o prédio para instalação da Câmara, conseguiu, por intermédio de um projeto apresentado e defendido pelo Dr. Francisco de Toledo Malta, de saudosa memória, a criação do município de Matão'.
Dizem algumas comunicações mediúnicas que o Espírito Caírbar Schutel está, no mundo espiritual, encarregado pela divulgação do Espiritismo na Terra; sendo confirmada tal informação, essa nobre tarefa está muito dirigida, porque o movimento espírita deve muito ao querido "Bandeirante do Espiritismo", assim como à sua digníssima esposa Dª. Maria Elvira da Silva Schutel, pois, como diz a sabedoria popular, ao lado de um grande homem há sempre uma grande mulher!
Eliseu da Motta Júnior é escritor, orador e diretor da Revista Internacional de Espiritismo - RIE, de Matão-SP.

Crime e Espiritismo

VIOLÊNCIA:UMA REFLEXÃO À LUZ DA DOUTRINA ESPÍRITA
Análise sistêmica da Violência
 (O crime, o criminoso e o Espiritismo)
Qualquer ato praticado contra os bons costumes e a Lei, caracteriza-se como ato delituoso.
Marcelo Paes Barreto
 
Crime e Punição
 
Por trás de todo e qualquer crime encontra-se um personagem - um agente intelectual e executor - que, conscientemente, dele procura tirar algum proveito, seja de ordem material, sentimental ou moral.
O crime, logo, torna-se efeito de uma série de etapas, que, se consumadas, deixam somente o recurso da punição, sob dois aspectos básicos:
a) o pagamento correspondente ao peso da ação;
b) e a reeducação, para o conseqüente retorno ao convívio social.
À sociedade, então, resta o trabalho com o delinqüente, em dois patamares:
1) Objetivamente, na reformulação dos seus costumes, hábitos e maneiras de
convivência social;
2) Subjetivamente, dirigida ao lado interno, na reforma dos valores, pontos de
vista, da personalidade, enfim, na estruturação, de verdade, de um novo ser social;
O ideal é que o ser humano fosse preparado, desde a tenra idade, para a boa convivência em sociedade, pautada pelo respeito, pela norma legal e pela harmonia para  com o próximo.
Mas tudo isso tem ficado na teoria. O que se tem visto, na realidade, são homens sem muita consciência de suas obrigações sociais. O que estaria faltando, então?
“O Homem-Espírito”
Que tal começarmos admitindo que o homem não é constituído apenas de matéria, ou seja, somente corpo físico, e que existe, além deste, um outro componente -o princípio espiritual ?2
Não estaria, pois, faltando às instituições buscarem no ser humano esse princípio espiritual, fulcro irradiante da verdadeira vida, admitindo-o, finalmente, como um ‘homem-espírito’, ser integralizado do universo, com tarefas e objetivos traçados pelo Criador?
E por que não compreendê-lo, da mesma forma, como um espírito milenar, que
vivencia o bem e o mal através de sucessivas encarnações - num caudal de experiências
calcadas na sua estrutura psíquica, realizações próprias integrantes do seu patrimônio
espiritual?
É esse homem-espírito que submete-se à luta reencarnatória, para eliminação de
suas dívidas espirituais com o próximo e com a Justiça Divina - “Karma” . E que
enquanto expia os seus débitos, tem a oportunidade de contribuir, com o seu esforço e
com o seu trabalho, na construção de uma sociedade melhor, mais digna e mais justa,
galgando, por conseqüência, estágios espirituais mais evoluídos e harmoniosos.
A Contribuição do Espiritismo
Nesse aspecto é que podemos considerar a relevante contribuição da Doutrina
dos Espíritos, codificada por Allan Kardec - O Espiritismo.
Ao enfocar o ser humano antes de tudo como um Espírito
inteligente e dotado de livre-arbítrio, a Doutrina Espírita inaugura uma
nova perspectiva de conhecimento, assimilação e explicação racional
para os inúmeros problemas que o envolvem em sua complexa vida
comportamental .
Pensado no contexto da criminalidade, vale ressaltar que, sendo um Espírito e
tendo vindo de anteriores encarnações com essa ou aquela tendência (ódios, amores
mal-resolvidos, desejos de vingança, enfim, problemas morais e espirituais de causas
diversas), traz consigo, ao nascer, impresso em seu subconsciente, toda essa bagagem
espiritual, ou seja, todas essas tendências negativas.
Tal conjunto de fatores, dependendo de circunstâncias diversas, poderá aflorar
como uma predisposição para o erro, pois conforme ensina a Ciência Espírita, cada um
traz, em sua própria intimidade, predisposições nas áreas em que menos progrediram
ou mais se endividaram.
Com todo esse passado latente na alma, por conseqüência lógica é atraído para
aqueles com os quais está em débito. É a Lei de Causa e Efeito, promovendo, por sua
vez, a reaproximação dos culpados, ao mesmo tempo que lhes concede uma nova
oportunidade para os devidos reacertos.
Por isso se diz - nada acontece por acaso - ou sem que haja para tal uma forte
razão, objetivando sempre fins produtivos, sendo essa uma das grandes características
da Justiça Divina.
Mas o mal que o ser humano traz consigo de encarnações anteriores não pode
ser considerado uma determinante para a sua vida na Terra, por tratar-se, como já
referido anteriormente, de um Espírito inteligente dotado de livre-arbítrio ou livre escolha.
Por isso mesmo, tangidos pela livre-escolha, nada mais justo que aqueles que
fizeram opção pelo mal possam arcar com as conseqüências de seus atos, tendo de
resgatar, por si próprios, os débitos adquiridos.
Nada mais justo, também, que voltem, em novas encarnações, para libertaremse das mazelas edificadas com as próprias mãos - erro reacertado, erro não mais
existente!
Realidade e Conflito
Mas nem sempre é assim.
Ao cair na realidade da vida terrena, no contato efetivo da encarnação, e não
existindo a preocupação do estudo e do aprimoramento da sua própria natureza, o ser
humano - esse tal de homem-espírito de quem já vimos falando - cede às pressões da
matéria, os tais ‘chamamentos da carne’, como se diz comumente.
E não havendo de sua parte esforços para um soerguimento espiritual (nesse
momento é que torna-se fundamental para o indivíduo uma segura base religiosa!),
acaba deixando crescer no coração as torrentes do egoísmo, do orgulho e da
vaidade.Que vão desaguar, indubitavelmente, na inveja e na ambição desenfreadas,
cujas resultantes, invariavelmente, são os conflitos de consciência.
Tais conflitos, se alimentados pela insistência na ignorância ou pela má-
vontade quanto a uma positiva reforma interior, tomam vulto gradativamente, saindo
do íntimo com mais força negativa, extrapolando os princípios básicos e elementares
da convivência social, para chegarem, inevitavelmente, ao corpo físico do semelhante.
 São os estupros, homicídios de todo tipo, infanticídios, abortos, extermínios de
familiares e outras tantas monstruosidades, que não vale a pena registrar.
E quem são as vítimas desses desvarios, senão possíveis desafetos espirituais,
personagens de um drama do passado, identificados subsconcientemente pelo agressor.
Se pudéssemos buscar no passado espiritual de cada um a estória de um desses
ferozes acontecimentos, encontraríamos lá reunidos, não raras vezes, adversários de
encarnações anteriores marcados por ódios seculares.
Espiritismo e Criminalidade
Mas, infelizmente, a sociedade de nossos dias ainda não admite, inteiramente,
tais idéias. E por não admiti-las, deixa de educar o indivíduo nas bases da verdadeira
vida, como já dissemos anteriormente, perdendo, nesse caso, uma preciosa
oportunidade de “desviá-lo” de um “destino” cruel.
Assim deveria ser, pois compreendendo-se o indivíduo, desde a tenra infância,
como um Espírito reencarnado, sujeito a tantas fraquezas, poder-se-ia identificar nele,
logo nas suas primeiras manifestações para a vida, tendências não muito coerentes com
os bons princípios de religiosidade e de convivência social.
Identificadas essas más tendências, cuidar-se-ia logo de corrigi-las,
resguardando-o de um futuro de muitos dissabores.
Essa atitude, podemos classificar como uma medida de prevenção contra o
mal, coisa perfeitamente possível partindo-se do princípío que, segundo nos ensina a
Lei Divina, ninguém nasce predestinado para o mal.Mesmo que seja
reconhecidamente um espírito inferior, endividado e vingativo, pois a Lei de Amor nos
ensina que todo indivíduo é suscetível de melhoramento e de progresso, pois, só o bem
é eterno!
 Cabe, então, aos educadores, à família e às diversas instituições orientadoras da
sociedade perceber nesses indivíduos esses traços de más tendências para educá-los à
luz da perspectiva espiritualista, fornecendo-lhes em tempo hábil, e com a devida
dedicação, os benefícios da regeneração.
É assim que o Espiritismo, frente ao criminoso de todas as épocas, pesa os
reflexos da criminalidade. Enxerga nele, antes de tudo, o homem-espírito, com
antecedentes espirituais capazes de atuarem decisivamente no seu comportamento
junto aos que o rodeiam.
Espiritismo e Educação
“O Espiritismo não se preocupa somente com o crime, que é um efeito, não é
uma causa, mas sobretudo com a etiologia do crime, os fatores predisponentes da
criminalidade, os meios de saneamento moral da sociedade pelo reerguimento
espiritual.” (1)
“É, portanto, o Espiritismo, uma Doutrina que muito está concorrendo para o
comedimento social, principalmente porque os seus ensinos se firmam sobre uma
concepção de vida em que não há fatalismo, não há castigo, não há solução de
continuidade no progresso do Espírito. O criminoso de hoje pode ser o regenerado de
amanhã, porque a vida não se resume nos limites de uma existência terrena.” (2)
O crime e o criminoso, portanto, estudados à luz da ciência da própria natureza,
e da verdade trazida pelo Mestre Nazareno, revividas pelo Espiritismo, teriam medidas
preventivas no seio da sociedade.
Famílias, escolas, entidades responsáveis pela formação dos homens, e
sobretudo os institutos penais de reeducação, perceberiam nos seres encarnados, através
de um profundo mergulho no seu psiquismo, a extrema necessidade de educação, em
seu sentido mais puro e mais amplo.
A educação, nesse caso, aplicada nos dois aspectos primordiais da vida humana -
o material ou objetivo e o espiritual ou subjetivo - teria o mérito de acordar a criatura
do seu sono secular de imperfeições, readaptando-a e elevando-a a novas e superiores
escalas de compreensão.
“Quanto mais espiritualizado o indivíduo, quanto mais consciente é a sua noção
de responsabilidade, maior é a luta interior para não se deixar dominar pelas
tendências viciosas ou delituosas.” (3)
“A lei humana atinge certas faltas e as pune. Pode, então, o condenado
reconhecer que sofre a conseqüência do que fez.
Mas a lei não atinge, nem pode atingir todas as faltas; incide especialmente
sobre as que trazem prejuízo à sociedade e não sobre as que só prejudicam os que as
cometem. Deus, porém, quer que todas as suas criaturas progridam e, portanto, não
deixa impune qualquer desvio do caminho reto. Não há falta alguma, por mais leve que
seja, nenhuma infração da sua lei, que não acarrete forçosas e inevitáveis
consequências, mais ou menos deploráveis.Daí se segue que, nas pequenas coisas, como 
nas grandes, o homem é sempre punido por aquilo em que pecou. Os sofrimentos que
decorrem do pecado são-lhe uma advertência de que procedeu mal. Dão-lhe
experiência, fazem-lhe sentir a diferença existente entre o bem e o mal e a necessidade
de se melhorar para, de futuro, evitar o que lhe originou uma fonte de amarguras; sem o
que, motivo não haveria para que se emendasse. Confiante na impunidade, retardaria
seu avanço e, conseqüentemente, a sua felicidade futura.” (4)
Portanto, diante dos problemas sociais que deságuam na criminalidade,
coloquemos o coração a serviço da Paz, lembrando-nos, sobretudo, Daquele que,
mesmo conhecendo profundamente as nossas mazelas, preferiu não julgar,
aconselhando-nos: “Vá, e não erres mais.” (5)
Recordemo-nos sempre disso, e façamos sempre o maior esforço possível para
operarmos, continuamente, como bons cristãos, em favor do Bem e da Vida, aonde e
nas condições em que formos chamados a servir.
“Deixe brilhar a vossa luz”. (6)
?
1.”ESPIRITISMO E CRIMINOLOGIA” - Deolindo Amorim -
 Editora ‘Centro Espírita Léon Denis’ -RJ -3ª Ed.-1991 - p.168;
2. Ob.cit. - p.169;
3. Ob.cit. - p. 165
4. ESE - Cap.V- 86 ed. FEB – p.104
5. Novo Testamento - João 8:11
6. Novo Testamento - Mateus 5:16

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A Região do Umbral

Gilberto Schoereder
As histórias que chegam até nós a respeito do Umbral mostram um local de sofrimento como dificilmente podemos imaginar. Para falar mais sobre o assunto e esclarecer alguns pontos, conversamos com o médium e escritor Alceu Costa Filho, que vem publicando seus livros pela Petit Editora.
Natural de Bicas, Minas Gerais, o médium Alceu Costa Filho não apenas tem psicografado vários livros, mas também é capaz de realizar efeitos mediúnicos de natureza física, entre eles a materializaçào de espíritos. Foi por orientação de seus mentores espirituais que passou a se dedicar com exclusividade ao seu lado intelectual.
A mediunidade já foi percebida na adolescência e, segundo ele explica, não lhe faltou apoio da família. Foi nessa época que Alceu viajou com um amigo até Pedro Leopoldo, com o objetivo de conhecer Chico Xavier. Também teve a oportunidade de entrar em contato com José Pedro de Freitas, mais conhecido como Zé Arigó, que já chegou a ser conhecido como o médium de cura mais famoso do Brasil. Incorporando o dr. Fritz, Arigó dirigiu-se a Alceu, incentivando-o a prosseguir em seu caminho espiritual e dizendo-lhe para estudar. Os estudos e o trabalho espiritual resultaram, em 1983, na fundação do Cenáculo Espírita Fraternidade, em Belo Horizonte.
Alceu diz que os espíritos preparam-no para o trabalho de psicografia. "Sempre trabalhei com a psicofonia, emprestando minha voz aos espíritos, e recebendo, pela vidência e audiência, instruções e orientações, das quais sempre me considerei apenas e tão-somente um simples mensageiro". A tarefa da psicografia é seu objetivo fundamental, hoje. Já foi médium de efeitos físicos, atividade permitida, segundo explica, pelas entidades misericordiosas. Mas a mesma espiritualidade orientou-o no sentido de se afastar dessa linha de atuação, concentrando-se na obra literária. "Eu sou aposentado", ele explica, "e disponho, portanto, de tempo para me dedicar a essa tarefa, que realizo com muito carinho e respeito pelos espíritos, todos os dias, a partir das seis e quinze da manhã".
Ele diz que, no início, recebeu muitas mensagens, procurando orientação nas pessoas que sempre considerou médiuns exemplares. No entanto, foi a própria espiritualidade que se encarregou de motivá-lo e ampará-lo. "Eu vejo e ouço os amigos do outro lado, e não posso deixar de registrar minha gratidão pelas lições de vida que deles recebi. Os espíritos Filipe, Xisto Vinheiros, Cornélio Pires e Nina Arueira são aqueles aos quais estou servindo de intermediário, no momento".
O médium mineiro participou ativamente do movimento espírita mineiro e, hoje em dia, realiza seu trabalho de mediunidade no grupo que ajudou a fundar, realizando também tarefas de assistência social.
Várias linhas espirituais falam sobre um lugar de trevas, para onde criaturas que desencarnam em situação de muita dor, ódio, suicídio, etc. acabam indo. Como e quando surgiu a palavra Umbral no espiritismo?
Amplamente usada por André Luiz através da psicografia de Chico Xavier, hoje faz parte da linguagem espírita para definir zonas de dor e sofrimento. Definida nos dicionários (Aurélio) como: “Limiar da Entrada”, este sempre existiu como conseqüência natural da mente humana. Na obra Nosso Lar encontramos, nas palavras de Lísias: “O Umbral começa na crosta terrestre. É a zona obscura de quantos no mundo não se resolveram atravessar as portas dos deveres sagrados a fim de cumpri-los, demorando-se no vale da indecisão ou no pântano de erros numerosos”.
Via de regra, até quanto tempo uma alma pode passar no Umbral? Em que circunstâncias a alma pode ser resgatada e ir para uma dimensão mais elevada?
A) O tempo que sua consciência determinar.
B) A partir de seu despertar para as verdades eternas. Um espelho sujo não pode refletir a luz.
O Umbral também possui vários planos de existência?
No Livro dos Espíritos, as questões 101 a 106 e seguintes, tratam bem do assunto, explicando-nos as diferentes categorias de espíritos. Portanto, os agrupamentos são determinados pelas afinidades vibratórias formando núcleos pela concentração de tendências e desejos gerais. Compreendemos que cada criatura vive daquilo que cultiva em qualquer dos planos da vida.
No livro Memórias de um Suicida nós temos um relato no mínimo tétrico dessa região e dos espíritos que ali habitam. Alguns videntes dizem que quem ali se encontra, muitas vezes não consegue enxergar espíritos consoladores, de tão densos que são os seus corpos etéricos. O senhor poderia nos falar um pouco sobre isso?
Allan Kardec, no Livro dos Espíritos, capítulo Ensino Teórico das Sensações dos Espíritos, questão 257, cita: “Não possuindo órgãos sensitivos, eles podem, livremente, tornar ativas ou nulas suas percepções". Uma só coisa são obrigados a ouvir: os conselhos dos Espíritos bons. A vista, essa é sempre ativa; mas eles podem fazer-se invisíveis uns aos outros. Conforme a categoria que ocupem podem ocultar-se dos que lhes são inferiores, porém não dos que lhes são superiores.
Muitos dizem que o Umbral é o pensamento global dos sofredores plasmado no éter próximo à crosta da Terra. Isso é verdade?
Manoel Philomeno de Miranda, através da mediunidade de Divaldo, em Nas Fronteiras da Loucura, assim o descreve: “Composta de elementos que me escapavam, eram e são, no entanto, vitalizadas pelas sucessivas ondas mentais dos habitantes do planeta, que de alguma forma sofrem-lhe a condensação perniciosa”.
Existem espíritos além de qualquer possibilidade de resgate? É possível um espírito, de tão maligno, ter sua centelha divina extinta para sempre ou então reencarnar no corpo de um animal?
Seria negar a justiça divina. Todos nós, por momentos ou séculos, atravessamos estas regiões. Todos fomos criados com o objetivo de evolução, e sermos condenados a penas eternas ou retroagirmos por castigo, é negar os princípios de amor e perdão pregados pelo Cristo. Na questão 194 do Livro dos Espíritosencontramos: “A alma não pode regredir, afirmar ao contrário seria negar a lei de progresso.”
Como se dá a reencarnação de espíritos que não conseguem sair do Umbral?
A questão 330 do Livro dos Espíritos nos responde: “A reencarnação é então uma necessidade, assim como a morte é uma necessidade da vida corporal". Ainda no Livro dos Espíritos, questão 1006, encontramos o ensinamento de São Luís de que “ninguém é totalmente mau”. E em João, cap. 1 a 12: “Em verdade vos digo, ninguém poderá ver o reino de Deus se não nascer de novo”. Cedo ou tarde todos despertamos para a luz. Deus oferece a todos oportunidades iguais, facultando a cada um o que melhor lhe aprouver, enquanto assim o deseja, dentro do céus ou do inferno que construiu para si. Somos escravos de nossas culpas, mas também construtores de nosso amanhã.
Qual dos seus livros trata mais de perto da existência do Umbral?
À Sombra da Luz.
Existe uma hierarquia entre os habitantes desse plano?
Sim, dentro das conquistas de cada um, de conformidade com os ideais que alimentam.
Qual é o elo de ligação entre essas entidades?
Através da psicografia de Chico Xavier, em Ação e Reação, André Luiz nos relata, no capítulo 19: “...situado entre dolorosa região de sombra cultivada pelas mentes, em geral, rebelde e ociosa, desvairada e enfermiça.” Em Nosso Lar, capítulo 12: “Lá vivem e agrupam-se os revoltados de toda espécie, formam igualmente, núcleos invisíveis de notável poder, pela concentração de afinidades comuns.”
É verdadeira a informação de que o plano umbralino envolve o nosso planeta, num verdadeiro “cinturão” vibratório?
Em nossa busca pelo aprendizado, encontramos a palavra esclarecedora de Manoel Philomeno de Miranda, em sua obra Nas Fronteiras da Loucura,psicografado por Divaldo. No capítulo 19 lemos: “...percebi haver em torno da Terra, faixas vibratórias concêntricas, que a envolviam, desde as mais condensadas, próximas à esfera física, até as mais sutis, distanciadas do movimento humano da crosta”.
É possível mencionar algumas das fraternidades que se dedicam a amparar e a resgatar os espíritos que, se encontrando no Umbral, arrependem-se dos seus erros, rogando a misericórdia de Deus?
Nossos amigos espirituais nos orientam que estes postos de socorro, núcleos de atendimento e apoio são criados e sustentados por aqueles voltados ao bem que já de há muito dispõem de condições para trabalho em esferas mais elevadas, no entanto preferem servir na prática do amor onde a dor é mais aguda. Note-se que nos referimos às equipes existentes no plano espiritual. Como são inúmeras e evitando incorrer em erro, pois naturalmente omitiríamos, por esquecimento e por desconhecê-las, muitas, preferimos não citar aquelas que são de nosso conhecimento.
É recomendável vibrar ou fazer preces pelos espíritos que se encontram no Umbral?
Jesus nos afirma através de Mateus, no capítulo 9, vers. 10 a 12 do Evangelho Segundo o Espiritismo: “Não são os que gozam de saúde que precisam de médico”. Veja-se ainda, no capítulo 27, questão 18 (prece pelos mortos e espíritos sofredores): “... a prece tem sobre eles uma ação mais direta, reanima-os, incute-lhes o desejo de se elevar pelo arrependimento e pela reparação...”. Como espíritas, compreendemos ser a prece uma sublime oportunidade de praticar a caridade.
Os espíritos em condição mais elevada transitam – se assim o desejarem – pelas regiões umbralinas?
Na obra Ação e Reação, de André Luiz, encontramos no capítulo 15 a descrição de uma destas muitas incursões feitas por aqueles que ali vão na prática do serviço fraterno em nome de Jesus, o que nos faz compreender que em parte alguma é escasso o amparo do Mais Alto.
Aqueles que lá se encontram conseguem influenciar os encarnados? Descreva, se possível, como acontece essa influenciação.
Manoel Philomeno de Miranda descreve, através da psicografia de Divaldo, em Nas Fronteiras da Loucura: “Em muitos desses sítios programam-se atentados sórdidos contra os homens e elaboram-se atividades que objetivam a extinção do bem, assim como a instalação do primado da força bruta no mundo. Pelo processo de sintonia, desencarnados imantam-se àqueles que lhe são afins, sempre conjugando os valores morais que os caracteriza”.
Os encarnados – em sonhos ou em desdobramentos – conseguem penetrar nessas regiões sofredoras?
Buscamos no Livro dos Espíritos, capítulo 8, a questão 402, que ilustramos a seguir: “... os espíritos dedicados ao bem, ao se libertar da vestimenta carnal vão reunir-se a outros espíritos com os quais se instruem e trabalham. Todavia, a massa de homens vai seja para regiões ou mundos inferiores onde velhas afeições os evocam”.
O Vale dos Suicidas – citado por muitos espíritas – existe realmente?
Acreditamos que sim, pois a sintonia atrai as vibrações similares que aproximam e vinculam as almas. Vive-se, portanto, em comunhão constante com aqueles aos quais nos afinamos psiquicamente.
Existem trabalhos de desobsessão no Cenáculo Espírita Fraternidade para auxiliar os espíritos que se encontram nas regiões umbralinas?
As reuniões de ajuda e esclarecimento a irmãos sofredores fazem parte da rotina de atividades de nossa casa. As de desobsessão são realizadas atendendo às orientações de nossos mentores, quando as julgam necessárias e se estivermos aptos para tal.
O Umbral corresponderia ao Hades grego ou ao purgatório da Igreja Católica?
A descrição de nossos mentores e irmãos espirituais, nas muitas obras que tratam do assunto, nos levam a crer que sim. Citaremos para referência as obras de André Luiz, através da psicografia de Chico Xavier, e ilustraremos com as palavras de Manoel Philomeno de Miranda através de Divaldo, em Nas Fronteiras da Loucura: “...colônias específicas por sua maldade construídas, nas quais fazem supor tratar-se de purgatórios e infernos governados por verdadeiros gênios do mal...”.
Fale sobre o seu último livro, que está sendo lançado pela Petit Editora.
Filipe nos relata com detalhes a formação de um posto de socorro junto às sombras, descrevendo com riqueza de detalhes essas regiões de dor e sofrimento, quando nos é dada ainda a oportunidade de conhecer um de seus lideres, à frente de inúmeros seguidores. Todo o relato feito por nosso irmão se passa nestas regiões de dor e sofrimento.
Finalize, Alceu, com uma mensagem para os leitores da revista Espiritismo & Ciência.
Se nos fosse possível conhecer a extensão do nosso hoje, certamente saberíamos melhor aproveitar as oportunidades que nos são ofertadas por Deus. O Consolador prometido por Jesus veio em tempo certo, encontrando muitos já prontos para assimilar seus princípios, enquanto outros ainda à margem da estrada, insistem em manter-se ausentes dos compromissos que lhes cabem em sua oportunidade de evolução. Outros ainda, ao se aproximarem da doutrina consoladora, o fazem moldando-a a seu critério, esquecendo-se de que esta é a única que pode encarar a razão face a face, em qualquer época da humanidade. Portanto, como espíritas, cumpre-nos o dever de execução das palavras de Jesus, que nos determina “Amar a Deus sobre todas a coisas e ao próximo como a nós mesmos”, e o Espírito de Verdade nos fornece o direcionamento que é a luz, o caminho correto para nos beneficiarmos da oportunidade de sermos espíritas cristãos. “Espíritas, amai-vos, espíritas instrui-vos”; estes princípios são imprescindíveis a qualquer ação que nos leve à conquista de nossa evolução. Tornemo-nos, portanto, a ponte entre a dor e a esperança, a sombra e a luz do esclarecimento, o pão e a fome, o ódio e o amor, encurtando as distâncias entre nós e Jesus.
Livros de Alceu Costa Filho:
  • Nas Margens do Grande Rio
  • O Diário de Sofia
  • Ao Entardecer de uma Existência
  • Do Amor Nasce o Perdão
  • Entre Amigos
  • À Sombra da Luz
Petit Editora: (11) 6684-6000
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Fonte:http://www.espirito.org.br/portal/publicacoes/esp-ciencia/003/umbral.html

Câncer Moral

O mau-humor sistemático - vício de comportamento emocional - gera a irritabilidade que desencadeia inúmeros males no indivíduo, em particular, e no grupo social onde o mesmo se movimenta, em geral. 
Desconcertando a razão, açula as tendências negativas que devem ser combatidas, fomentando a maledicência e a indisposição de ânimo. 

Todos aqueles que o alimentam, transferem-se de um para outro estado de desajuste orgânico e psicológico, dando margem à instalação de doenças psicossomáticas de tratamento complexo como resultados demorados ou nenhuns. 
Todas as criaturas têm o dever de trabalhar pelo próprio progresso intelecto-moral, esforçando-se por vencer as más inclinações. 

O azedume resulta, também, da inveja mal disfarçada quanto do ciúme incontido. 
Atiça as labaredas destruidoras da desavença, enquanto se compraz na observância da ruína e do desconforto do próximo. 

Muitas formas de canceres têm sua gênese no comportamento moral insano, nas atitudes mentais agressivas, nas postulações emocionais enfermiças. 

O mau-humor é fator cancerígeno que ora ataca uma larga faixa da sociedade estúrdia. 
Exteriorização do egoísmo doentio, aplica-se à inglória tarefa de perseguir os que discordam da sua atitude infeliz, espalhando a inquietação com que se arma de forças para prosseguir na insânia que agasalha. 

Reveste-te de equilíbrio ante os mal-humorados e violentos, maledicentes e agressivos. 
Eles se encontram enfermos, sim, em marcha para a loucura que os vence sob o beneplácito da vontade acomodada. 
Oscilantes nos estados dalma, mudam de um para outro episódio de revolta com facilidade, sem qualquer motivo justificável, como se motivo houvesse que justifique a vigência desse verdugo do homem. 

Vigia as nascentes dos teus sentimentos e luta com destemor, nas paisagens íntimas, contra o mau-humor. 
Policia o verbo rude e ácido, mantendo a dignidade interior e poupando-te ao pugilato das ofensas, decorrente do azedume freqüente. 
Não olvides da gratidão, nas tuas crises de indisposição... 
O amanhã é incerto. 
Aquele a quem hoje magoas será a porta onde buscarás apoio amanhã. 
Conquista o título de pacífico ou faze-te pacificador. 
Todo agressor torna-se antipático e asfixia-se na psicosfera morbífica que produz. 

O Evangelho é lição de otimismo sem limite e o Espiritismo que o atualiza para o homem contemporâneo convida à transformação moral contínua, sem termo, em prol da edificação interior do adepto que se lhe candidata ao ministério. 

Autor: Joanna de Ângelis
Psicografia de Divaldo Franco. Do livro: Receita de Paz
Fonte:http://www.oespiritismo.com.br/mensagens/ver.php?id1=191

Considerações de Emmanuel sobre Paulo de Tarso

Autor: Emmanuel

CONSIDERAÇÕES DE EMMANUEL SOBRE PAULO DE TARSO

Não são poucos os trabalhos que correm mundo, re­lativamente à tarefa gloriosa do Apóstolo dos gentios. É justo, pois, esperarmos a interrogativa: — Por que mais um livro sobre Paulo de Tarso? Homenagem ao grande trabalhador do Evangelho ou informações mais detalhadas de sua vida?

Quanto à primeira hipótese, somos dos primeiros a reconhecer que o convertido de Damasco não necessita de nossas mesquinhas homenagens; e quanto à segunda, responderemos afirmativamente para atingir os fins a que nos pro pomos, transferindo ao papel humano, com os recursos possíveis, alguma coisa das tradições do pla­no espiritual acerca dos trabalhos confiados ao grande amigo dos gentios.

Nosso escopo essencial não poderia ser apenas reme­morar passagens sublimes dos tempos apostólicos, e sim apresentar, antes de tudo, a figura do cooperador fiel, na sua legitima feição de homem transformado por Jesus-Cristo e atento ao divino ministério. Esclarecemos, ainda, que não é nosso propósito levantar apenas uma biografia romanceada. O mundo está repleto dessas fichas educa­tivas, com referência aos seus vultos mais notáveis. Nosso melhor e mais sincero desejo é recordar as lutas acerbas e os ásperos testemunhos de um coração extraordinário, que se levantou das lutas humanas para seguir os passos do Mestre, num esforço incessante.

As igrejas amornecidas da atualidade e os falsos de­sejos dos crentes, nos diversos setores do Cristianismo, justificam as nossas intenções.

Em toda parte há tendências à ociosidade do espí­rito e manifestações de menor esforço. Muitos discípulos disputam as prerrogativas de Estado, enquanto outros, distanciados voluntariamente do trabalho justo, suplicam a proteção sobrenatural do Céu. Templos e devotos entre­gam-se, gostosamente, às situações acomodatícias, prefe­rindo as dominações e regalos de ordem material.

Observando esse panorama sentimental é útil recor­darmos a figura inesquecível do Apóstolo generoso.

Muitos comentaram a vida de Paulo; mas, quando não lhe atribuíram certos títulos de favor, gratuitos do Céu, apresentaram-no como um fanático de coração res­sequido. Para uns, ele foi um santo por predestinação, a quem Jesus apareceu, numa operação mecânica da graça; para outros, foi um espírito arbitrário, absorvente e rís­pido, inclinado a combater os companheiros, com vaida­de quase cruel. Não nos deteremos nessa posição extremista. Queremos recordar que Paulo recebeu a dádiva santa da visão gloriosa do Mestre, às portas de Damasco, mas não podemos esquecer a declaração de Jesus relativa ao sofrimento que o aguardava, por amor ao seu nome.

Certo é que o inolvidável tecelão trazia o seu ministé­rio divino; mas, quem estará no mundo sem um ministério de Deus? Muita gente dirá que desconhece a própria tarefa, que é insciente a tal respeito, mas nós poderemos responder que, além da ignorância, há desatenção e muito capricho pernicioso. Os mais exigentes advertirão que Paulo recebeu um apelo direto; mas, na verdade, todos os homens menos rudes têm a sua convocação pes­soal ao serviço do Cristo. As formas podem variar, mas a essência ao apelo é sempre a mesma. O convite ao ministério chega, ás vezes, de maneira sutil, inesperada­mente; a maioria, porém, resiste ao chamado generoso do Senhor. Ora, Jesus não é um mestre de violências e se a figura de Paulo avulta muito mais aos nossos olhos, é que ele ouviu, negou-se a si mesmo, arrependeu-se, tomou a cruz e seguiu o Cristo até ao fim de suas tarefas materiais. Entre perseguições, enfermidades, apodos, zombarias, desilusões, deserções, pedradas, açoites e encarcerament os, Paulo de Tarso foi um homem intrépido e sincero, caminhando entre as sombras do mundo, ao encontro do Mestre que se fizera ouvir nas encruzilhadas da

sua vida. Foi muito mais que um predestinado, foi um realizador que trabalhou diariamente para a luz.

O Mestre chama-o, da sua esfera de claridadeS imor­tais. Paulo tateia na treva das experiências humanas e responde: — Senhor, que queres que eu faça?

Entre ele e Jesus havia um abismo, que o Apóstolo soube transpor em decênios de luta redentora e cons­tante.

Demonstrá-lo, para o exame do quanto nos compete em trabalhO próprio, a fim de Ir ao encontro de Jesus, é o nosso objetivo.

Outra finalidade deste esforço humilde é reconhecer que o Apóstolo não poderia chegar a essa possibilidade, em ação isolada no mundo.

Sem Estevão, não teríamos Paulo de Tarso. O gran­de mártir do Cristianismo nascente alcançou influência muito mais vasta na experiência paulina, do que podería­mos imaginar tão-só pelos textos conhecidos nos estudos terrestres. A vida de ambos está entrelaçada com miste­riosa beleza. A contribuição de Estevão e de outras per­sonagens desta história real vem confirmar a necessida­de e a universalidade da lei de cooperação. E, para ve­rificar a amplitude desse conceito, recordemos que Jesus, cuja misericórdia e poder abrangiam tudo, procurou a companhia de doze auxiliares, a fins de empreender a re­novação do mundo.

Aliás, sem cooperação, não poderia existir amor; e o amor é a força de Deus, que equilibra o Universo.

Desde já, vejo os críticos consultando textos e com­binando versículos para trazerem á tona os erros do nosso tentame singelo. Aos bem-intencionados agradecemos sin­ceramente, por conhecer a nossa expressão de criatura falível, declarando que este livro modesto foi grafado por um Espírito para os que vivam em espírito; e ao pedan­tismo dogmático, ou literário, de todos os tempos, recorremos ao próprio Evangelho para repetir que, se a letra mata, o espírito vivifica.

Oferecendo, pois, este humilde trabalho aos nossos irmãos da Terra, formulamos votos para que o exemplo do Grande Convertido se faça mais claro em nossos cora­ções, a fim de que cada discípulo possa entender quanto lhe compete trabalhar e sofrer, por amor a Jesus-Cristo.


Pedro Leopoldo, 8 de julho de 1941.


Do livro Paulo e Estevão. Pelo Espírito Emmanuel.

Psicografia de Francisco Cândido Xavier.

Fonte:http://www.oespiritismo.com.br/textos/ver.php?id1=311

EVANGELHO NO LAR

Fazendo uso das facilidades que os meios de comunicação nos oferecem, estamos presentes, nesta página, para falar do Evangelho: a mensagem que venceu o tempo conservando-se tão atual como no tempo em que Jesus se manifestou.

Depois que Jesus proferiu o Sermão da Montanha, Ele dirigiu-se aos apóstolos dizendo-lhes: “Ide pelo Mundo e pregai a minha palavra a toda criatura”, e ainda em outra oportunidade, o Mestre, para fortalecer o ânimo daqueles que ouviam, assegurou que sempre estaria presente, até o fim, até a consumação dos séculos.

A promessa feita pelo Mestre de que estaria sempre conosco confirma-se plenamente, pois, é fato inconteste que Ele continua nos envolvendo e orientando. Mas é necessário abrir as portas do coração para que a terapia do amor, pregada por Jesus, possa penetrar o nosso íntimo.

A civilização atual, um tanto aturdida pela rapidez tecnológica e às vezes esquecida da conduta moral, está necessitando, urgentemente, de um acompanhamento seguro que norteie sua conduta. Achamos que o momento é oportuno para relembrar os encontros ocorridos com Jesus e os apóstolos. Nessas ocasiões, Jesus falava com bondade orientando as consciências, ainda incertas, no campo das verdades maiores.
Muitas vezes, na casa de Simão Pedro, O Mestre falou sobre as Escrituras, esclarecendo os familiares do apóstolo e todos que ali se encontravam. Sequiosos, todos lhe ouviam a palavra edificante e Jesus os convidava ao diálogo amoroso, despertando-lhes o desejo de aprender.

A família humana ainda se conserva carente de conhecimento espiritual. Vamos então, convidar Jesus para que Ele adentre o nosso lar, assim como aconteceu na casa de Simão Pedro. Para que isto aconteça não existe fórmula melhor do que realizar O Evangelho no Lar. Em muitos lares as famílias já realizam este estudo, recolhendo os benefícios do esclarecimento que a luz do Evangelho oferece por meio da reflexão em família.

O Evangelho no Lar é o reviver dos encontros de Jesus, que considerava o berço doméstico como verdadeira escola de almas. Escolhendo um dia na semana, com horário determinado, a família se reunirá de forma natural e simples, sem necessidade de qualquer aparato, mas com o coração aberto para penetrar os ensinamentos do Mestre, despertando a semente Divina que há no imo de cada um.
A Cada semana apresentaremos uma família que abrirá as portas do seu lar, permitindo-nos acompanhar o seu momento de estudo por meio do Evangelho no Lar.

Disse Jesus: "Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ai estou no meio deles". (Mateus 18:22)

O Evangelho no Lar possibilita atender as orientações de Jesus, porquanto se destina ao estudo dos Evangelhos, a fim de melhor compreender os seus ensinos e praticá-los.

Permite um momento de comunhão de idéias e sentimentos entre os familiares e Jesus, objetivando a conquista da harmonia da família.

Permite ainda a formação de um ambiente de paz, propício à elevação espiritual.

Durante O Evangelho no Lar, deve-se estudá-lo metodicamente. Para tal aconselha-se que esse estudo seja feito através da obra O Evangelho Segundo o Espiritismo, porque explica claramente inúmeras passagens evangélicas.

Por este motivo, nessas reuniões, o Evangelho deve ser lido e estudado de forma e seqüente.

Desaconselha-se a sua leitura abrindo O Evangelho ao acaso, evitando-se assim, criar crendices supersticiosas, de que procedendo, os Espíritos abrem na página apropriada para quem o abre, ou para os presentes, pois sabemos que em todas as demais páginas, nos advertem e nos orientam com toda a objetividade.

Lembremo-nos de que O Evangelho no Lar visa possibilitar-nos maiores conquistas morais e espirituais, com ele conseguimos mais facilmente a nossa reforma íntima, o que facilita expurgar as crendices e as superstições que ainda nos acompanham e que tanto nos têm prejudicado.

O Evangelho no Lar deve revestir-se da maior simplicidade, sem uso de qualquer forma exterior, o que daria um cunho de liturgia e de ritual, incompatíveis com o ensino de Jesus e da Doutrina Espírita.

Para a reunião deve-se obter o consenso dos familiares (mas o Evangelho no Lar também pode ser praticado por apenas uma pessoa, caso os familiares não queiram participar), convidando-os a estabelecer para tal um dia da semana, qualquer dia, mas sempre o mesmo. Também se escolherá uma hora, para que estejam presentes, evitando-se assim assumir outro compromisso para aquele dia e hora.
A reunião se processará da seguinte forma:

1- Prece inicial: simples, breve, objetiva, de maneira que o coração fale mais alto do que as palavras.

2- Leitura de pequeno trecho do Evangelho: Lido sempre de forma seqüente e metódica.

3- Comentar o trecho lido: comentar não é discutir, e sim expor o pensamento de cada um, da maneira como entendeu. Todos devem participar.

4- Vibrações: Com o recolhimento interior, emitir pensamentos e sentimentos elevados em favor dos que sofrem e para harmonização dos lares desajustados. Vibrar para o próprio lar.

5- Prece e encerramento: as mesmas recomendações feitas para a prece inicial.

As preces, a leitura e as vibrações podem ser feitas em rodízio.

O Evangelho no Lar não é uma sessão mediúnica ou de cura. Estas devem ocorrer nas Casas Espíritas.

O Evangelho no Lar é despojado de qualquer liturgia ou simbologia, por isso desaconselha-se o uso de velas, flores, toalhas brancas, defumadores, cujo uso passa a constituir uma cerimônia religiosa, um culto ou um ritual incompatíveis com a pureza do Cristianismo e da Doutrina Espírita.

O Evangelho no Lar é, na verdade, uma Escola de Jesus em que se aprende a Amar o próximo como a nós mesmos, para amar a Deus sobre todas as coisas.

O dilema entre o perdão e a vingança

A luta entre a sabedoria que leva à reconciliação e o desejo de retaliar é mais antiga que a civilização e continua sendo travada nos dias atuais. A lição da história é que foi através do perdão que a humanidade conseguiu interromper as espirais de violência provocadas pela vingança
Thomaz Favaro
"Enquanto dormimos / a dor que não se dissipa / cai gota a gota sobre nosso coração / até que, em meio ao nosso desespero / e contra nossa vontade / apenas pela graça divina / vem a sabedoria." Esses versos, escritos há 25 séculos pelo poeta grego Ésquilo, formam a mais antiga e, para muitos, a mais bela conclamação ao perdão jamais colocada em pedra, papiro, papel ou tela. Bob Kennedy recorreu a ela na tarde do dia 4 de abril de 1968 para, durante um comício, consolar a multidão revoltada com a chegada da notícia do assassinato do líder pacifista Martin Luther King. Dois meses depois, o próprio Bob seria morto a tiros. Em seu túmulo no Cemitério Nacional de Arlington foram gravados esses mesmos versos de Ésquilo, uma passagem da peça Agamenon. A luta entre a sabedoria que leva ao perdão e o desejo de vingança, porém, é mais antiga do que a civilização e é provável que sobreviva a ela, pelos exemplos a que assistimos hoje por toda parte. "Tinha contas a ajustar com ele", disse o judoca português Pedro Dias, que buscou forças não se sabe onde para derrotar na Olimpíada de Pequim o favorito lutador brasileiro João Derly. Dias explicou que o desejo de vingança foi sua motivação. Derly roubara-lhe uma namorada no passado.
"Ele foi humilhado, humilhado por mim", comemorou Dias. O sentimento do judoca é da mesma natureza do que acometeu a atriz Jennifer Aniston quando descobriu que Brad Pitt a traía com Angelina Jolie. Depois da separação, Jennifer esvaziou o guarda-roupa de Brad e doou todas as peças a uma instituição de caridade – a versão politicamente correta de jogar a mala dele no meio da rua.
Parece fazer parte do mecanismo instintivo de defesa dos seres humanos responder a um tapa com outro tapa. Os bebês fazem isso com aquele jeito inocente e angelical que torna doloroso chamar a reação de vingança. Dar a outra face é a exceção pregada, com sucesso duvidoso, há mais de 2000 anos pelo cristianismo. Antes de Cristo, as religiões não apenas amparavam como incentivavam a vingança desproporcional ao agravo. O Velho Testamento é repleto de passagens "olho por olho". Nenhuma tão constrangedora quanto aquela em que o profeta Eliseu é chamado de "careca" por um grupo de crianças e, em resposta, manda dois ursos sair da floresta e despedaçar 42 criancinhas. Deve ser o único caso registrado em que uma peruca teria evitado uma carnificina. Como instituição, a religião é má conselheira nesses casos. As guerras religiosas são sempre as mais inexplicáveis, duradouras e cruéis da história humana. Para entender a origem do desejo de vingança e aprender a domá-lo, o melhor a fazer é trafegar por fora da religião.
Voltando ao caso do judoca e da atriz, bem mais perto de nós do que os ursos famintos das Escrituras, o que se observa é apenas uma diferença de estilo. O homem usou da força bruta para subjugar o rival diante de uma enorme platéia. A mulher recorreu a método mais sutil, na privacidade do lar, mas tendo o cuidado de informar as revistas de fofoca de forma a tornar público o lance do traidor.
É voz corrente que as mulheres são mais vingativas que os homens. Há controvérsias. Mas, sem dúvida, de Teodora – esposa do imperador romano do Oriente Justiniano, que convidou a população para um espetáculo no estádio e mandou degolar 30000 pessoas por insurreição – a Jennifer Aniston, a mulher é mais espalhafatosa em sua vingança. O psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, do Hospital das Clínicas de São Paulo, não vê nisso uma especial crueldade feminina, mas apenas uma característica inata delas.
Diz ele: "Tanto no afeto quanto na vingança, a mulher se expõe mais". Quando os casamentos infelizes eram indissolúveis também pela lei dos homens, tanto o marido quanto a mulher tendiam a se amargurar silenciosamente, vivendo separados sob o mesmo teto e evitando demonstrações públicas do fracasso do relacionamento. Hoje é tudo mais fácil do ponto de vista econômico e jurídico. Culturalmente, nem se fala. Os casamentos não costumam durar o tempo suficiente para que as mágoas acumuladas transbordem para o prato frio da vingança. Ainda assim, o divórcio tornou-se uma das poucas situações no mundo moderno nas quais se pode realmente machucar o outro sem quebrar a lei. As ameaças de tirar a custódia dos filhos, a disputa pela posse dos bens e a roupa suja lavada em público são perfeitamente toleradas durante o processo judicial do divórcio.
Os entendedores da mente humana enxergam em boa parte dos episódios que chamamos de vingança apenas explosões momentâneas de ódio e reflexos de defesa. Vingança mesmo começa pelo coração, é tramada no cérebro, guardada na memória, e sua execução é cuidadosamente lapidada pelo inconsciente. "Enquanto dormimos / a dor que não se dissipa / cai gota a gota sobre nosso coração..." Se não nos socorre a sabedoria, a vingança encontra seu caminho. Por que ela não se dissipa, não desaparece lentamente como o conhecimento acumulado ou o nome daquela pessoa importante com quem cruzamos no passado e que seria vital lembrar agora? Os psicólogos colocaram de pé duas teorias principais sobre o poder de permanência do desejo de vingança. A vingança é um impulso que se desenvolve basicamente em quatro etapas. A pessoa entende que sofreu um dano e conclui que este foi causado por outra pessoa. Em seguida acredita que esse dano foi injusto. E, por último, sente o desejo de retaliar. A questão que se coloca a partir desse ponto é a seguinte: por que o homem carrega dentro de si o espírito vingativo? Duas teorias estão entre as mais prováveis. A primeira é que o desejo de vingança é um tipo de toxina existente na mente apenas das pessoas rancorosas. Isso pode ser atribuído a perturbações mentais ou morais, a pais ausentes na infância, a fatores culturais. A outra possibilidade é que se trata de um sentimento tão natural no ser humano quanto o amor, o ódio e o medo. Um século de pesquisas sociais e biológicas deu aos cientistas a certeza de que a segunda teoria é a mais sólida. O desejo de vingança é uma parte perfeitamente normal da natureza humana e sua supressão pode ser apenas um daqueles recalques que a vida moderna em sociedade nos incute. O psicólogo americano Michael E. McCullough, da Universidade de Miami e autor de Além da Vingança – A Evolução do Instinto do Perdão, enxerga a questão pela lente da biologia. Disse ele a VEJA: "Todo ser humano nasce biologicamente equipado para retaliar quando se ressente de alguma ofensa ou agressão".
O biólogo Keith Jensen, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva de Leipzig, na Alemanha, acredita que as raízes da vingança precedem o surgimento do Homo sapiens. Diz ele: "A existência de desejo de vingança entre os chimpanzés sugere que, nos seres humanos, esse sentimento tem sua origem em um ancestral comum, que viveu entre 5 milhões e 7 milhões de anos atrás". Colocar a culpa no macaco não explica tudo, mas ajuda a lembrar que, por mais anjo decaído que seja, o homem tem seu lugar cativo na escala zoológica. As emoções humanas só podem ser entendidas quando se leva em conta que, tanto quanto nossos narizes e joelhos, elas foram moldadas por forças evolutivas no decorrer de milhões de anos. O medo, por exemplo, é uma emoção útil evolutivamente. Ele foi vital para a preservação da espécie, por nos manter atentos às ameaças potenciais e para evitar que corrêssemos riscos. A vingança, especulam os antropólogos, deve ter sido um poderoso elemento de dissuasão, inibindo o agressor e fazendo-o pensar duas vezes antes de atacar de novo. Sentir, planejar e executar um ato de vingança pode ter também tido o papel de melhorar o sentido de cooperação dentro de um grupo de hominídeos.
Em uma visão mais requintada, a vingança, quando voltada para dentro do grupo, transforma-se em punição. Ela é mais cerebral, controlada, e cumpre uma função bem mais específica no processo evolutivo. É dessa vingança que a deusa grega Nêmesis era encarregada. Narciso está hipnotizado pela própria beleza e não quer mais nada com as ninfas desejosas, colocando em perigo a espécie por falta de herdeiros? Nêmesis vai obrigá-lo a passar o resto da vida mirando o próprio rosto nas águas do lago. A tragédiaOrestéia, também de Ésquilo, é a representação, válida ainda hoje, de que a vingança feita pela Justiça, a punição, é consumada pelos homens, mas sua origem é divina. No final da trilogia, a deusa Atena se encarrega do julgamento de Orestes, que matou a própria mãe para vingar a morte do pai, numa cadeia de retaliações que remontava a gerações. As Erínias (fúrias, na tradição romana), divindades vingadoras que o perseguem pelo matricídio, encarregam-se da acusação. Orestes defende-se com a ajuda do deus Apolo. Após o julgamento, Atena inocenta-o – com o voto de Minerva, nome pelo qual ela é conhecida na tradição romana. As divindades vingadoras recebem, então, o nome de Eumênides ("deusas veneráveis") e passam a habitar a pólis grega. Esse momento é interpretado como a institucionalização da vingança, que deixa de ser um direito privado para se tornar público, decidido por um tribunal. A moral da história? Quando não há punição dos que cometem abusos e excessos, basta apenas um egoísta para arruinar a cooperação no grupo e diminuir suas chances de sobrevivência. Isso valia para os macacos, valeu para os hominídeos e vale para qualquer grupo humano hoje – seja uma empresa, seja uma escola, seja um pelotão de fuzileiros navais.
Longe de ser um anacronismo, "a herança evolutiva é rica em valores bastante úteis ao homem moderno", opina o filósofo americano Jeffrie Murphy, autor do livro Acertando as Contas: o Perdão e Seus Limites. Que qualidades podem existir no ressentimento? Murphy sugere três: auto-respeito, autodefesa e respeito pela ordem moral. "A pessoa que nunca se ressente, seja de qual for a ofensa, pode ser um santo. Mas a falta de ressentimentos pode também revelar uma personalidade servil e sem respeito por seus direitos e sua condição de indivíduo livre e moralmente respeitável." Aqui se chega ao nó da questão. O desejo de vingança constitui uma parte da natureza humana. Ajuda a estabelecer parâmetros morais no dia-a-dia. Ao mesmo tempo pode detonar em forma de violência selvagem. Essa característica cruel assusta as pessoas e mantém a sociedade de sobreaviso. Por sorte, entre o desejo de vingança e a execução da ação vingativa existe espaço suficiente para o homem exercer aquilo que a Bíblia chama de livre-arbítrio. A escolha entre o bem e o mal. Refrear o desejo de vingança não é fácil quando alguém sente o coração transbordar de fúria. "A urgência de restauração de um rombo no ego, seja por uma injustiça pessoal, seja pela perda brutal de alguém querido, impede que a pessoa tenha clareza para julgar em que medida o agressor deve pagar pelo que fez", diz a psicanalista Ana Cecília Carvalho, coordenadora de um grupo de pesquisa sobre a psicanálise da vingança na Universidade Federal de Minas Gerais.
A cultura é um fator determinante na freqüência com que os desejos de retaliação se manifestam numa sociedade. O sentimento de vingança é controlado à medida que um país se desenvolve economicamente e suas instituições democráticas se tornam mais sólidas. "Com a melhora de indicadores sociais, econômicos e a conquista de estabilidade política das nações, as pessoas se tornam menos vingativas", diz o economista turco Naci Mocan, autor de um estudo comparativo sobre o desejo de vingança em 53 países. O Brasil aparece em terceiro lugar entre as nações nas quais o sentimento de vingança é mais acentuado, atrás da Bielo-Rússia e da Bélgica. "Se o sistema jurídico funciona, as pessoas esperam que os conflitos terminem com a correção do mal que lhes foi causado", disse o economista a VEJA. Quando não funciona, a insatisfação com o sistema legal estimula os sentimentos de vingança e os indivíduos a buscar a resolução privada de seus conflitos.
Uma forma bem atual de vingança é escrever um livro expondo os podres de um desafeto. A primeira-dama da França, Carla Bruni, já provou desse veneno. No best-seller Nada Grave, de 2004, a escritora francesa Justine Lévy a descreveu como uma predadora sexual que se comporta como se fosse dona de todos os homens. Explique-se tanto ódio: quatro anos antes, Carla havia roubado o marido de Justine. É comum também o ataque direto à parte mais sensível do corpo humano, o bolso. A bilionária americana Leona Helmsley, conhecida como "a rainha da maldade", usou o testamento para se vingar da família, que detestava. Quando morreu, no ano passado, destinou a maior parte da fortuna de 5 bilhões de dólares para instituições de caridade. Também deixou 12 milhões de dólares para seu cãozinho maltês, Trouble. Dois de seus quatro netos receberam quantias equivalentes à metade da legada ao cachorro. Os demais parentes foram simplesmente ignorados. "Eles sabem por quê", escreveu maldosamente Leona no testamento.
Mas qual desses elementos da natureza humana – o desejo de vingança e a capacidade de perdoar – terá dado a maior contribuição na jornada do homem até os dias de hoje? Foi através da vontade de perdoar que a humanidade conseguiu interromper longas espirais de violência provocadas pela vingança. Como o ser humano está propenso a inevitavelmente cometer alguns erros durante sua vida, nada mais normal que ter um pouco de flexibilidade para lidar com eles. "Nós não poderíamos ter evoluído como espécie sem a capacidade de suportar alguns prejuízos de vez em quando", diz o psicólogo americano Michael McCullough. Deixar passar a oportunidade de vingar-se de alguém é uma maneira de prolongar relacionamentos importantes, como um casamento ou uma amizade duradora. McCullough é de opinião que a vontade de perdoar aflora naturalmente no indivíduo mediante certas condições. Somos mais propensos a perdoar uma pessoa quando ela nos dá provas de que jamais vai cometer o mesmo erro. Também perdoamos mais as pessoas das quais sentimos pena. As mais variadas compensações, desde um pedido de desculpas até uma indenização milionária, também servem como estímulos à conciliação. A natureza, que nos armou com o desejo de vingança, sabiamente implantou em nossos genes esse oposto ainda mais poderoso: a capacidade de perdoar. "...e contra nossa vontade / apenas pela graça divina / vem a sabedoria."

Maldade de adolescente
No início de sua carreira de modelo, quando tinha 16 anos, a paranaenseAdriane Grott foi convidada a representar sua escola em um concurso de beleza em Floraí, cidadezinha de 5000 habitantes onde vivia fazia pouco tempo. Para desfilar, pediu emprestada uma saia de uma amiga. Ganhou o concurso e o ódio da colega. "Devolvi a roupa, mas ela espalhou que eu tinha roubado a saia", conta Adriane, hoje com 27 anos. "Em pouco tempo toda a cidade achava que eu era ladra. Foi horrível." A história levou meses para ser esquecida.

A dor aplacada
Ives, filho do comerciante Masataka Ota, foi seqüestrado e morto aos 8 anos, em 1997. O pai indignou-se ao descobrir que os assassinos não podiam ser condenados à prisão perpétua. "Eu queria me vingar de qualquer jeito", conta Ota. "Cheguei a pensar em invadir o fórum no dia do julgamento e matar os três a tiros." Ele desistiu da vingança por entender que significaria um novo sofrimento para a sua família. Anos depois, ele encontrou-se com os assassinos na cadeia. A experiência ajudou a aliviar sua dor. "O ódio e o desejo de vingança não me permitiam viver", diz Ota.

Retaliação planejada
"Passei seis meses arquitetando a vingança contra meu ex-noivo, que havia me difamado para amigos e familiares", conta a professora paulista Janaina Azevedo, 25 anos. Seu primeiro passo foi levar a ex-sogra, que tem trauma de alcoolismo, para ver o filho embriagado num bar. Depois, conseguiu que o ex perdesse dois empregos. Para completar, levou ao grupo de roqueiros do ex-noivo um vídeo em que ele aparecia com pagodeiros – o que acabou com a amizade. "Assim pude dar a história por encerrada", diz.

O que fazer se o assassino sai livre
O advogado Ari Friedenbach é pai de Liana, seqüestrada aos 16 anos, estuprada e assassinada na Grande São Paulo, em 2003. Além da dor pela perda da filha, precisou se conformar com a pena branda aplicada ao assassino – três anos de internação na Febem. "No primeiro momento, sob forte emoção, a opção da vingança passou pela minha cabeça", diz. Para superá-la, engajou-se em discussões sobre a criminalidade e colabora no Programa Liana Friedenbach, da Congregação Israelita Paulista, para a formação de jovens líderes comunitários.

Incidente no shopping
A empresária Maria Amélia Aquino, de 57 anos, admite que sente prazer na vingança. Certa vez, enquanto esperava para estacionar o carro em um shopping, uma mulher rapidamente ocupou a vaga. Maria Amélia reclamou e tudo o que ouviu foi: "Querida, pode ter certeza de que a minha pressa é muito maior que a sua. Se quiser ficar aqui aguardando, eu volto já". Maria Amélia esperou a atrevida entrar no shopping e esvaziou os quatro pneus do carro dela. Ainda deixou um bilhete: "Estava com tanta pressa, querida, mas agora vai ter de esperar o guincho para te levar para casa".

Sem vergonha de ser vingativo
O americano Jared Diamond, da Universidade da Califórnia, é autor do best-seller Colapso, em que analisa o que leva uma sociedade ao fracasso. Em seu próximo livro, ainda sem título, Diamond compara hábitos prevalentes em diversos tipos de sociedade. O escritor conversou com o editor Diogo Schelp.
De que maneira a vingança em comunidades tribais se diferencia da existente nas sociedades modernas?Na ausência de um poder central, as pessoas têm o direito de revidar por conta própria. Isso cria ciclos intermináveis de violência. Já quem vive em um estado moderno é estimulado a conter o desejo de vingança. Se as pessoas fossem livres para retaliar à vontade, a sociedade entraria em colapso.
As sociedades tribais são mais violentas?Ao contrário, elas tendem a encaminhar as disputas para a conciliação. Na sociedade moderna aprendemos que os sentimentos vingativos são primitivos e que deveríamos ter vergonha de senti-los. Isso faz com que a maneira moderna de resolver disputas em tribunais – em casos de divórcio, herança ou acidentes de automóveis, por exemplo – não favoreça a reconciliação. Temos de encontrar uma forma mais saudável de lidar com a vingança, sem cometer excessos ou infringir a lei. O primeiro passo é admitir a existência desse sentimento e não enterrá-lo em algum canto da memória.
A vingança tem um papel nas guerras que os Estados Unidos travam no Iraque e no Afeganistão?Os Estados Unidos atacaram o Afeganistão logo após os atentados de 11 de setembro, em 2001. A pergunta é: fomos à guerra em busca de vingança pelos ataques às torres gêmeas? Era perfeitamente óbvio que se os Estados Unidos não fizessem algo estariam mostrando ao mundo sua fraqueza. A invasão americana do Iraque é uma situação diferente. Há quem diga que nosso presidente, George W. Bush, tomou essa decisão para terminar o trabalho que seu pai deixara pela metade durante a primeira guerra do Golfo, quando Saddam Hussein pôde conservar o poder.
O conflito entre israelenses e palestinos pode ser analisado sob a óptica da vingança?A hostilidade entre israelenses e os vizinhos árabes me lembra as guerras tribais em Papua-Nova Guiné. Os familiares de alguém assassinado vingam-se matando um membro do clã do assassino. Esse clã, por sua vez, se vê na obrigação de retaliar com nova morte e assim sucessivamente. O resultado é uma guerra sem fim, em que nenhum dos lados aceita ceder. Mas essas guerras também chegam ao fim. Para que isso ocorra é preciso preencher uma das três condições. Primeira, ambos os lados têm perdas massivas e equivalentes. Segunda, ambos ficam esgotados e surge uma terceira parte que os ajuda a se reconciliar. Terceira, minha experiência em Papua-Nova Guiné mostra que o surgimento de um inimigo comum também pode levar ao fim um conflito entre dois inimigos tradicionais. Só não sei dizer qual dessas circunstâncias levará à paz entre palestinos e israelenses.

Punir e não vingar
A humanidade encontrou maneiras de conter a força vingativa que existe na natureza humana. O principal controle foi o sistema judiciário, que passou a mediar as disputas entre vítimas e agressores.
• Orestéia (458 a.C.) A tragédia grega, de Ésquilo, representa o fim do direito privado à vingança como forma de defender a honra. A punição passa a ser decidida por um tribunal.
• Marco Aurélio (121-180) O imperador estóico, adepto da filosofia da moderação, deu mais direitos aos acusados e eliminou abusos nas penas aplicadas pelo direito romano.
• Thomas Hobbes (1588-1679) Para o filósofo inglês, a punição institucional não deveria compensar um mal passado, mas sim auxiliar na construção de uma sociedade melhor.
• Cesare Beccaria (1738-1794) O criminologista italiano combateu a tortura e o tratamento cruel dado aos presos. Para ele, a finalidade da punição é desestimular a reincidência e novos crimes.
• Cadeira elétrica (1890) Em princípio, a pena de morte é aplicada a criminosos cujos impulsos violentos não seriam contidos pela cadeia. Hoje é considerada desumana na maioria dos países.
Com reportagem de Carolina Romanini e Roberta de Abreu Lima
Matéria publicada em Veja.com, em 3 de setembro de 2008.

Jorge Hessen* comenta
QUANTAS VEZES PERDOAREI MEU IRMÃO? UM DILEMA ENTRE A TOLERÂNCIA E A VINGANÇA
"Aprendestes que foi dito: olho por olho e dente por dente. - Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal que vos queiram fazer; que se alguém vos bater na face direita, lhe apresenteis também a outra; - e que se alguém quiser pleitear contra vós, para vos tomar a túnica, também lhes entregueis o manto; - e que se alguém vos obrigar a caminhar mil passos com ele, caminheis mais dois mil. - Dai àquele que vos pedir e não repilais aquele que vos queira tomar emprestado".(1)
Como não resistir, como fazer ainda mais do que nos exigem os que nos ofendem? O que entendemos por perdoar? Como perdoar sem permitir que o mal nos envolva, sem nos deixar ficar sob as instâncias daqueles que nos magoam, que nos prejudicam ou nos ferem? Essas questões são instigantes. Todavia, o bom senso nos impõe a seguinte dedução: precisamos compreender e desculpar, ilimitadamente, porque todos nós necessitamos de compreensão e desculpa nas horas do desacerto, mas urge que analisemos os fatos para que os diques da tolerância não se rompam, corroídos pela displicência sistemática, patrocinando a desordem.
Diferentemente do ensino do Cristo, parece fazer parte do mecanismo instintivo de defesa dos seres humanos revidar tapas a um agressor. Neste sentido, segundo alguns, dar a outra face é uma atitude de eficácia duvidosa, contrariando o que Jesus pregou há mais de dois mil anos. Segundo opiniões de pesquisadores mais centrados no materialismo, as religiões, antes de Cristo, não apenas amparavam como, também, incentivavam a vingança desproporcional ao agravo. Os Velhos Textos estão repletos de passagens do tipo "olho por olho", dizem esses estudiosos. Argumentam, ainda, que, como instituição, a religião é má conselheira no assunto tolerância. As guerras religiosas sempre foram, e ainda são as mais inexplicáveis, as mais duradouras e as mais cruéis da história humana.
Por que carregamos em nossa intimidade o rancor e o pendor à vingança? Isto pode ser atribuído a perturbações mentais ou morais, a pais ausentes na infância, a questões culturais. Para Jeffrie Murphy "a cultura é um fator determinante na frequência com que os desejos de retaliação se manifestam numa sociedade." Murphy afirma, ainda, (pasmem!) que a Pátria do Evangelho "aparece em terceiro lugar nas estatísticas entre as nações nas quais o sentimento de vingança é mais acentuado, atrás da Bielo-Rússia e da Bélgica".(2) Para alguns estudiosos, o desejo de vingança é uma parte perfeitamente normal da natureza humana e sua supressão pode ser, apenas, um daqueles recalques que a vida moderna em sociedade nos incute. Há quem descubra qualidades no ressentimento. Jeffrie sugere três (acreditem!): auto-respeito, autodefesa e respeito pela ordem moral. "A pessoa que nunca se ressente, seja de qual for a ofensa, pode ser um santo. Mas, a falta de ressentimentos pode também revelar uma personalidade servil e sem respeito por seus direitos e sua condição de indivíduo livre e moralmente respeitável."(3)
Leona Helmsley, uma bilionária norte-americana, usou o testamento para se vingar da família, que detestava. Quando desencarnou, destinou a maior parte da fortuna, de cinco bilhões de dólares, para instituições de caridade (aqui agiu corretamente), porém, também deixou doze milhões de dólares para seu cãozinho maltês, Trouble. Dois, de seus quatro netos, receberam quantias equivalentes à metade da legada ao cachorro. Os demais parentes foram, simplesmente, ignorados. "Eles sabem por quê", escreveu Leona como clara vingança no testamento.(4)
Perdoar coisas leves, contra nós mesmos, é relativamente fácil, mas, quando se trata de algo mais sério, como um assassinato, um estupro, por exemplo, a dificuldade de superação da mágoa aumenta, consideravelmente. Sabemos que refrear o desejo de vingança não é fácil quando alguém sente o coração transbordar de fúria. Contudo, não podemos esquecer que, entre o desejo de vingança e a execução da ação vingativa, existe espaço suficiente para exercermos o livre-arbítrio, ou seja, a escolha entre o bem e o mal. A vingança será sempre uma atitude insensata e inútil, até porque, nenhum benefício trará ao nosso progresso, e, uma vez consumada, terá satisfeito, apenas, à nossa inconformação diante dos desconhecidos motivos do nosso infortúnio.
O convívio com criaturas e sistemas imperfeitos, capazes de nos infligir os mais variados constrangimentos, cerceamentos, limitações, vicissitudes e agressões, constitui o objetivo moral da reencarnação, de modo que disciplinemos, em definitivo, as ideias superiores da vida e as incorporemos ao acervo dos valores que já edificamos no espírito. Nesse sentido, "o perdão é superação do sentimento perturbador do desforço, das figuras de vingança e de ódio, através da perfeita integração em si mesmo, sem deixar-se ferir pelas ocorrências afligentes dos relacionamentos interpessoais".(5) E, mais ainda, pesquisas indicam que o ato de perdoar pode aplacar a tensão, reduzir a pressão sanguínea e diminuir a taxa de batimentos cardíacos. Portanto, é uma questão de saúde. O perdão passou a ser investigado pela medicina. Os vários estudos em andamento seguem a tendência de analisar a influência das emoções na saúde. Perdoar, imagina-se, livra o corpo de substâncias que só fazem mal. Essa tese faz parte do livro O poder do perdão de Luskin.(6)
A intolerância quase sempre dá lugar à agressividade. As decisões emocionais rebentam rápidas como torrentes. Sem a participação do bom senso, são capazes de danificar a harmonia de muita gente. Se nos examinarmos bem, chegamos à conclusão de que sempre poderemos ser mais tolerantes do que temos sido, habitualmente. Porém, há coisas que socialmente são intoleráveis, como a violação dos direitos humanos ou a destruição do planeta, a pedofilia, a corrupção, etc. Muitos "tolerantes" tíbios, eivados de preguiça e inconsciência, mantêm atitude de quem não está «para se chatear», porque isso dá trabalho e, às vezes, até, exige alguma abnegação, mas, isso é covardia! Tolerância não é indiferença, nem conivência, nem timidez. Pelo contrário, a tolerância pressupõe entendimento superior, sem orgulho ou vaidade; assenta-se na coragem esclarecida para beneficiamento de todos, inclusive dos adversários.
Um método corajoso de perdão foi colocado em prática por Mahatma Gandhi, o Satyagraha(7), isto é, conquistar o adversário, chamando, para si, o sofrimento, objetivando despertar a consciência moral daquele que se quer convencer de que o ato que pratica é impróprio. É um método ousado de perdão, porque implica na tentativa de sensibilizar o agressor no sentido de reverter seu comportamento. Jesus aconselhou amar os nossos inimigos no enfoque de não devolver com a mesma moeda aquilo que nos foi desferido. Oferecer, porém, a outra face (a face do bem), pois, assim, cortar-se-iam, pela raiz, os sentimentos de vingança.
Diante das agressões recebidas, o Cristo passava lições grandiosas, como aconteceu com o soldado que O esbofeteou quando estava de mãos amarradas. Sem perder a serenidade habitual, o Cristo olhou-o nos olhos e lhe perguntou: "se eu errei, aponta meu erro, mas se não errei, por que me bates?"(8) Eis, aí, a verdadeira coragem. O Mestre sofreu a ingratidão daqueles os quais havia ajudado, enfrentou o cinismo dos agressores, foi ultrajado, caluniado, cuspiram-Lhe no rosto e O crucificaram, e Ele tomou uma única atitude: a do perdão.(9) Lembrou da importância de não se colocar limite ao ato de perdoar. "Se vosso irmão pecou contra vós, ide e falai-lhe sobre a falta em particular, entre vós e ele. Se vos ouvir, tereis ganhado um irmão." Então, aproximando-se dele, Pedro disse: "Senhor, quantas vezes perdoarei meu irmão quando ele houver pecado contra mim? Será até sete vezes?" Jesus lhe respondeu: "Eu não digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete."(10)
"No Cristianismo encontram-se todas as verdades; são de origem humana os erros que nele se enraizaram".(11) Jesus não quis dizer para deixarmos de reprimir o mal, mas para não pagar o mal com outro mal. Perdão é o pagamento do mal com o Bem... O perdão nivela os homens pelo que neles há de melhor, libertando quem perdoou dos maus sentimentos que o escravizavam a quem o feriu. Mal por mal significa o eclipse absoluto da razão. "Por mais aflitiva seja a lembrança do adversário, recordemo-lo em nossas preces e nas meditações, por irmão necessitado de nossa assistência fraterna. Ainda não readquirimos nossa memória integral do passado e nem sabemos o que nos ocorrerá no futuro".(12) Que seria da Humanidade se não existisse a paciência e a tolerância do Criador para com as criaturas imperfeitas e rebeldes que somos? Perdoar é um ato inteligente, que nos liberta de outras ansiedades e perturbações que nem precisamos enfrentar. Então!... Para quê guardar mágoa?

Fontes:
1) Cf. Mateus, cap. V, vv. 38 a 42;
2) Jeffrie Murphy, autor do livro Acertando as Contas: o Perdão e Seus Limites, disponível em <http://arquivoetc.blogspot.com/2008/08/especial-dilema-eterno-da-humanidade.html>, acessado em 16/01/2009;
3) Idem;
4) Disponível em <http://veja.abril.com.br/030908/p_086.shtml>, acessado em 15/01/2009;
5) Franco, Divaldo Pereira. O Evangelho à Luz da Psicologia Profunda, ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis, Salvador: Editora: LEAL, 2001;
6) Luskin Frederic. O poder do perdão, São Paulo: editora: Novo Paradigma, 2002;
7) Termo cunhado pelo pacifista indiano Mahatma Gandhi em sua campanha pela independência da Índia. Significa o princípio da não-agressão, ou uma forma não-violenta de protesto, como um meio de revolução;
8) Franco, Divaldo Pereira. Palavras de Luz, Sob a inspiração de diversos espíritos, Salvador: Ed. FEEB, 1993;
9) Romanelli, Rubens Costa. Primado do Espírito, BH: Ed. Síntese, 1966, Cap. 15;
10) Cf. Mateus, XVIII: V, vv. 15, 21 e 22;
11) Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, RJ: Ed FEB, 2003, cap. VI, item 5, 118;
12) Xavier, Francisco Cândido, Nos Domínios da Mediunidade, ditado pelo Espírito André Luiz, RJ: Ed. FEB, 2001.
* Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal lotado no INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.